Entrevista: João Vilhete

Começamos, em 2015, a realizar entrevistas com os pesquisadores e colaboradores do NIED. Abaixo, você confere a segunda entrevista, realizada com o coordenador do núcleo, o pesquisador João Vilhete Viegas d`Abreu.

Nasceu em São Tomé e Príncipe, na África. Moro no Brasil há mais de trinta anos. É Engenheiro Eletricista, com graduação e mestrado pela Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, Doutor em Engenharia Mecânica também na Unicamp. Pesquisador no NIED desde 1987 desenvolvendo principalmente pesquisas na área de Robótica e Tecnologias Educacionais envolvendo, implementação de hardware/software e de ambientes de aprendizagem baseados na utilização de dispositivos robóticos.

Como você começou a trabalhar na campo da tecnologia e educação?

Eu comecei a trabalhar no NIED em agosto de 1987, mas especificamente em primeiro de agosto, havia acabado de me formar em engenharia elétrica pela UNICAMP. Entrei no núcleo como engenheiro, a princípio não sabendo exatamente que iria trabalhar com tecnologia educacional, na área de informática na educação, ao chegar no núcleo os meus trabalhos nessa área começaram a se direcionar para o que começou-se a chamar robótica na educação. Na época, nós tínhamos computadores MSX de 08 bits que havia sido introduzido na escola, pelo projeto EDUCOM, de 1983, coordenado pelo Prof. º José Armando Valente, também coordenador do NIED, nessa época. Esse projeto era desenvolvido pela UNICAMP e outras universidades do Brasil, na região de Campinas tinham instalado computadores MSX em duas escolas públicas, uma em Sousas, outra em Americana e nessas escolas o computador era utilizado para desenvolver projetos na área de informática na educação. Foi assim que começamos a trabalhar com robótica pedagógica num contexto em que dizíamos “dar músculos ao computador” para que ele passasse a mexer com as coisas fora dele. Então, eu inicie trabalhando com a robótica, o que se desdobrou em outros projetos, acabei fazendo mestrado na engenharia elétrica em que o objeto era a construção de ferramentas da parte eletrônica para o trabalho da robótica na educação, no doutorado também, mas já pensando na aprendizagem de conceitos na área de automação e controle.

Quais são as suas principais inquietações sobre a área de tecnologia e educação hoje?

Eu acredito que o avanço da tecnologia é algo que acontece de maneira bastante rápida e o que a gente percebe na área de robótica educacional é que, isso é uma inquietação antiga, a discrepância entre a velocidade com que essas tecnologias evoluem e a lentidão com a qual elas são apropriadas e inseridas no contexto educacional. Isso é um pouco inquietante, mas de qualquer maneira é algo que jamais terá outro rumo que não esse. A inquietação é não fazermos um melhor uso das tecnologias, sobretudo, aquelas com as quais as novas gerações estão convivendo.

Descreva um projeto no qual você trabalha, que mais lhe motiva hoje?

Os projetos com a robótica são motivantes, no sentido de que são projetos que tem muito a ver com fazer coisas, desconstruir, construir e fazer outras. Isso motiva sobretudo porque o importante não é exatamente o robô pronto, mas sim o processo de construção dele, porque é nele que reside as possibilidades de aprendizagem. Normalmente, a equipe é constituída por alunos da UNICAMP, tem bolsista de iniciação científica, de mecatrônica, de engenharia elétrica e de quatro anos para cá, temos alunos do projeto PIBIC, que são alunos de ensino médio. Todo ano tem três ou quatro bolsistas e eles aprendem a construir robôs, chegam sem saber nada de robótica e vão aprendendo a construir as máquinas, aprendem a programar, a como produzir um relatório, essas coisas são motivantes. E o outro lado muito interessante dessa área, que nós começamos a trabalhar em por volta de 2003, em um projeto FAPESP, é trabalhar a robótica com pessoas com deficiência, a princípio um projeto escrito para pessoas com deficiência visual, em uma escola municipal de Araras, mas que quando chegou na escola para trabalhar na verdade a sala tinha múltiplas deficiência, em uma classe de reforço. Então, o objetivo inicial de trabalhar robótica pedagógica com pessoas com deficiência visual teve que se desdobrar para que pudéssemos atender todos as deficiências, um projeto muito interessante. Em que vimos às outras dimensões da utilização da tecnologia na educação. Desse projeto surgiu outro: a construção de um mapa tátil sonoro. Uma mapa falante que funcionava por meio de botões, o objetivo dele é a orientação espacial pessoas com deficiência visual numa rota acessível que, ele vai do restaurante universitário até o ciclo básico, esse percurso a pessoa faz, de forma tátil, com as mãos e descobre que tem a biblioteca, a DAC, o Restaurante Universitário, etc. Além desse percurso, há também o do piso térreo da biblioteca central. Os dois projetos forma desenvolvidos numa parceria do NIED com a Faculdade de Engenharia Civil, com o a parceria da Profª Núbia Bernardi. Com projeto da rota acessível nós descobrimos inúmeras ferramentas que a pessoa com deficiência visual pode utilizar para desenvolver/adquirir autonomia, e se orientar espacialmente. As que experimentaram o mapa descobriram, por exemplo, que o ciclo básico é redondo. Que existem duas catracas no hall da entrada da biblioteca central. Uma para entrar e outra para sair. Até então, embora tivesse frequentado essa biblioteca durante a graduação, mestrado e doutorado, a pessoa pensava que ela entrava e saía pelo mesmo lugar. Informações que para os videntes, não precisam ser ditas mas que para pessoa com deficiência visual são importantes para ela se orientar espacialmente, para ter a compreensão do lugar por onde ela passa. Nesse sentido a robótica se torna um meio de inclusão, uma ferramenta para a acessibilidade.

Quem você considera suas 5 principais referências (pessoas, artigos, livros, lugares) no que tange tecnologia e educação?

Quanto as pessoas acredito serem as que trabalham conosco na área, os parceiros com quem coopero no cotidiano, dentro da própria universidade como Profº Valente, o Tel Amiel, a Fernanda Freitas, a Flávia Linhalis, enfim, todos os pesquisadores do núcleo que são pessoas que eu referencio, por estarem estarem construindo e contribuindo com o conhecimento em tecnologia. Quanto as referências externas, artigos e livros são vários, sobretudo, os da área de informática na educação, robótica educacional e tecnologias na educação, muitos dos artigos de revistas como currículo e da RBIE. Pesquisadores e pensadores como Seymour Papert, Paulo Freire, Michael Resnick e os da área de currículo são os mais utilizo.

Qual o projeto de (pesquisa, ensino ou extensão) que você ainda não conseguiu realizar e gostaria de ver sair do chão?

Não teria um específico, atualmente, um dos desafios que tenho pensado em termos do uso da robótica educacional é um projeto que realmente efetivasse a inserção de robótica educacional no currículo, para a formação de professores que efetivamente pudessem usá-la difundido o aprendizado na educação fundamental I e II. Porque eu acredito na ideia de diversificar a maneira como as pessoas aprendem. De fazer o que a gente podemos chamar de transposição didática que seria transformar um saber sábio em um saber escolar. Nesse sentido com a robótica você tem uma série de conceitos científicos de ciências de referência, como a Física Engenharia, Matemática, Eletrônica, etc, podendo ser “manuseados/utilizados” para fazer a máquina funcionar num contexto em que os alunos podem compreender esses saberes científicos. Mas para que haja essa transformação é necessário que os professores tenham o domínio desses conhecimentos o que, infelizmente, muitas vezes percebemos é que não se faz a transposição didática, não se aprende matemática porque não se utiliza uma linguagem simples passível de ser compreendida pela criança. Eu entendo que muitas vezes com a robótica você poderia trazer essa matemática da linguagem cientifica para uma matemática que o aluno pode entender que, ele vai compreender por meio do processo de construção de uma máquina, aquele robô que ele quer fazer, e ao fazê-lo o aluno percebe que pode fazer uma função, pode colocá-lo para se deslocar e assim medir uma distância, descobrindo a fórmula que calcula a distância a partir de uma máquina que ele construiu e não simplesmente porque falaram para ele que velocidade média é Delta S sobre a Delta T. Dessa forma, o aluno descobre vivenciado, por isso a robótica é importante. Como tecnologia educacional ela dá resultado e pode ser utilizada em qualquer nível de ensino.

Entrevista realizada por Mariana Martinelli de Barros Lima, bolsista SAE – NIED/UNICAMP.