Entrevista: Maria Cecília C. Baranauskas

Maria Cecília Calani Baranauskas é professora titular no Instituto de Computação (IC). Em sua trajetória acadêmica focou-se na área de Ciência da Computação, dando ênfase em Metodologia e Técnicas da Computação cujos principais temas são a interação humano-computador, semiótica organizacional, interface de usuário, design de sistemas computacionais interativos em diversos domínios (social, educacional, de trabalho). Formou-se como bacharel e mestre em Ciência da Computação e Doutora em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), realizando seu pós-doutorado no  Semiotics Special Interest Group (SSIG) na Staffordshire University (School of Computing) em 2001 e no Applied Informatics with Semiotics (AIS) lab da University of Reading (Dept. of Computer Science) em 2002, UK. Recebeu a Cátedra Ibero-Americana Unicamp-Santander Banespa para estudar problemas de acessibilidade em engenharia de software na Universidad Politécnica de Madrid, Espanha (2006-2007). Foi agraciada com o ACM SIGDOC Rigo Award em 2010, representante brasileira no TC13 da IFIP e membro do CE IHC da SBC. Atualmente é membro da BR-CHI (an ACM SIGCHI local chapter) Executive Council.

Como você começou a trabalhar no campo da tecnologia e educação?
Sou docente no Instituto de Computação e colaboro com o NIED desde a sua fundação, em 1983. Atuo na área de pesquisa em Interfaces e Interação Humano-Computador, o que explica um pouco a minha relação com tecnologia e educação.  Meu envolvimento com o tema do acesso ao conhecimento, mediado por tecnologias e sistemas computacionais é, portanto, de longa data…começou no início dos anos 80, quando buscamos entender a interação de crianças com computadores. Naquela época estavam surgindo os PCs (computadores pessoais), mas meu contato inicial com esse universo deu-se em uma sala onde um terminal gráfico (GT-40), conectado ao mainframe PDP-10, executava a linguagem de programação LOGO, desenvolvida pouco tempo antes por Seymour Papert, no MIT.  Naquele ambiente trabalhávamos com crianças, filhos de professores da UNICAMP, tentando entender os processos de interação com tecnologia e construção de conhecimento. Mais do que o “acesso” ao computador, aquela linguagem e ambiente gráfico possibilitavam o acesso da criança ao conhecimento, ao seu processo de construir conhecimento e entender seu próprio pensar.

Quais são as suas principais inquietações sobre a área de tecnologia e educação hoje?
Hoje estamos nos distanciando cada vez mais daquela imagem de computador que a história nos mostrou a partir dos anos 80. A tecnologia computacional já está no pulso das pessoas, nos smartwatches, nos dispositivos móveis de comunicação; são tantas as funções do telefone celular que o nome “telefone” não cabe mais no conceito… Inquieta-me na área de tecnologia e educação a constatação dos ritmos diferentes de ambas: cada vez mais acelerado das inovações tecnológicas e seu potencial na vida das pessoas, e conservador no que tange às práticas da educação. Preocupa-me o descompasso do desenvolvimento da tecnologia e da educação; esta última deveria estar à frente, puxando o desenvolvimento de tecnologia (e não o contrário).

Descreva um projeto no qual você trabalha, que mais lhe motiva hoje?
A forma como abordamos questões de pessoas e tecnologia envolve pressupostos epistemológicos e ontológicos, implícitos ou explícitos, que afetam o sistema em termos de seu design, estratégias de implementação e uso da tecnologia. A maneira como os criadores de tecnologia (ou designers) adquirem conhecimento para desenhar o sistema técnico e a visão do mundo social e do mundo técnico que carregam, afetam a “experiência do usuário” ou a “experiência de aprendizado do usuário”. O que mais me motiva hoje é o pensamento sistêmico para design de tecnologia, dentro de uma visão neohumanista. Qualquer que seja o domínio do conhecimento (educação, saúde, lazer, trabalho), penso que a construção de tecnologia deve ser um movimento com as diferentes partes interessadas, suas crenças e cultura, vida cotidiana em sociedade, que carregam para o processo de (co)design.  Um pouco dessa ideia está ilustrada em “Codesign de Redes Digitais: Tecnologia e sociedade a serviço da inclusão digital”, da Penso Ed. Ltda, de 2013.

Quem você considera suas 5 principais referências (pessoas, artigos, livros, lugares) no que tange tecnologia e educação?
São tantas as pessoas e suas obras que nos servem de referência, que limitar a cinco parece injusto. Então, quero agradecer às pessoas mais próximas, que me introduziram nesse Universo (da tecnologia e educação) e compartilharam comigo o entusiasmo e o trabalho inicial com crianças e computadores. Fernando Curado, meu orientador de mestrado, entusiasta das novas ideias, ensinou-me que, como a tartaruga do LOGO, não se caminha para a frente sem se arriscar o pescoço ;).  Minha colega e amiga Heloisa Vieira da Rocha foi muito parceira naquela empreitada; compartilhamos a escrita de “O Computador, um Novo Super-Herói”, publicado pela Cartgraf em 1983, entre outros trabalhos.  José Armando Valente, orientador de doutorado, possibilitou-me a liberdade de crescer como pesquisadora.  Minhas colegas e amigas M. Teresa E. Mantoan, que possibilitou-me compreender a sutileza de ambientes (virtuais) inclusivos, e M. Cecília Martins, que me ajudou a praticá-los em inúmeros projetos. Principalmente, Vitor Baranauskas, minha referência de cientista que não olhou apenas para o umbigo, mas enxergou e trabalhou a Ciência na vida das pessoas; minha referência de amor e de vida.  

Qual o projeto de (pesquisa, ensino ou extensão) que você ainda não conseguiu realizar e gostaria de ver sair do chão?
São muitos os projetos que ainda gostaria de ver realizados, principalmente relacionados ao desafio do acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento. Esse desafio foi lançado há 10 anos pela Sociedade Brasileira de Computação, e desde então muito já se fez em termos da tomada de consciência de nossas comunidades científicas para o problema da desigualdade no acesso à tecnologia e ao conhecimento que ela possibilita construir. Tratamento a esse desafio certamente passa pelo design de tecnologia, passa pela consideração das diferenças (em todos os níveis), passa pelo objetivo da emancipação autêntica das pessoas pela educação para e com tecnologia contemporânea. Como tal, continua em pauta na pesquisa, no ensino e na extensão!