Antes de falar da história do NIED é importante relembrar alguns fatos que antecederam a criação do Núcleo e que foram decisivos para o seu surgimento. Dois pensadores influentes da época deixaram sua marca no que veio a ser o NIED – o professor Paulo Freire, grande pensador, professor da Unicamp na década de 80, conhecido no mundo pela sua pedagogia, principalmente pela pedagogia do oprimido, e o professor Seymour Papert, americano, nascido na África do Sul, matemático e uma das mentes criadoras da tecnologia na educação. Ambos mexeram com aquele momento em que o NIED estava aparecendo. Freire dizendo, por exemplo, que
“a educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação (…) não pode ser a do depósito de conteúdos [“bancária”], mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo” (Paulo Freire).
Ele já se colocava contra essa educação apenas transmissiva de conteúdos, ele dizia que a educação não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo.
Papert também deixou a sua marca para nós do NIED, especialmente pela criação do Logo, que veio dar origem à Informática na Educação que se trabalhou nas origens do Núcleo. Papert apresentou a visão de uma cultura computacional capaz não apenas de nos ajudar a aprender, mas também nos ajudar a aprender a aprender. Essa maneira de trazer a tecnologia para o contexto da construção do conhecimento, certamente deixou a sua marca na concepção da informática na educação que o Núcleo carregou ao longo do tempo. em uma
“The vision I have presented is of a particular computer culture (…) that helps us not only no learn but to learn about learning (…) this culture can humanize learning by permitting more personal, less alienated relationship with knowledge…” (Seymour Papert)
Freire e Papert se encontraram em 1995 na PUC-SP para discutir a questão da escola e da tecnologia. Eles se mostraram alinhados em uma série de questões e se mostraram divergentes em outras, um debate bastante rico que nos serve de lição até hoje. Paulo Freire, por exemplo, já se preocupava naquela época com a repercussão que a tecnologia poderia ter para as crianças – dali a 20 ou 30 anos (ou seja, hoje). Como estariam essas crianças se a escola, instituição responsável pelo cidadão no mundo não se preocupasse com a inserção da tecnologia. Papert já era mais radical a respeito da questão da escola, de como ela era organizada – era bastante crítico e cético com relação, por exemplo, a maneira como a escola separava o momento de viver e o momento de aprender, para ele não existe essa separação. A escola como organização que separa por idade, por gênero, não combina com a ideia da construção do conhecimento que ele queria nos passar. Freire não era tão radical sobre como a escola era concebida, mas ele propunha um renascimento da escola, falava em colocar a escola à altura do nosso tempo, isso significava refazê-la, fazendo nascer dela um ser que fosse tão atual como a tecnologia. Essas duas pessoas marcaram a história e a concepção do NIED de tecnologia e educação com suas ideias.
Com base nas ideias de Freire e Papert, muitos projetos do NIED adotaram o conceito de “construcionismo contextualizado”. Construcionismo – no sentido de Papert – como sendo a construção de conhecimento baseada na realização concreta de uma ação que produz um produto palpável (um artigo, um projeto, um objeto) de interesse pessoal de quem produz; contextualizado – no sentido de Freire – que entende que esse mesmo produto, quando relacionado aos interesses e contexto de vida do aprendiz, resulta em maior envolvimento nas atividades educacionais e, consequentemente, melhor entendimento do conteúdo. O conceito de construcionismo contextualizado foi usado para apoiar vários projetos desenvolvidos pelo NIED: na formação de professores, no treinamento de operários de fábrica, no letramento digital de adultos, no uso de laptops por estudantes, em projetos de robótica pedagógica, dentre outros.
Além das ideias de Papert e Freire, o Projeto Logo na Unicamp também influenciou na criação do NIED. Uma série de fatos e pessoas contribuíram para que o Projeto Logo viesse a se tornar o início das atividades do NIED. Por exemplo, o estágio da Profa. Afira Vianna Ripper no laboratório do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em 1973/74, seguidos de uma visita que o Seymour Papert e o Marvin Minsky fizeram à Unicamp em 1975 e trouxeram nessa visita o Logo, linguagem de programação. A partir daí formou-se um grupo interdisciplinar com professores de diferentes Unidades da Unicamp.
Também nessa época, a partir de 1978, as Profas. Cecília Baranauskas e Heloísa Vieira da Rocha, do Departamento de Computação na época, iniciaram atividades com crianças usando computadores e Logo. Nesse mesmo momento, o governo começou a se preocupar com a questão, vislumbrando o potencial da tecnologia e sobre como tirar proveito desse potencial dentro do contexto educacional brasileiro. Foram organizados 2 seminários importantes nessa época – 1° e 2° Seminário Nacional de Informática na Educação (1981 e 1982), com a participação do grupo da Unicamp.
A tecnologia da década de 70, usada nas primeiras atividades do Logo com crianças, envolviam um PDP-10 (Digital Equipment Corporation), que era praticamente um mainframe, pois nessa época os computadores pessoais ainda não existiam. O PDP- 10 ficava no Centro de Computação da Unicamp, próximo ao Instituto de Matemática. Era um computador destinado à pesquisa – os Físicos usavam para cálculo numérico, por exemplo – utilizado também no aprendizado dos primeiros alunos de graduação do curso de computação e pela administração da Universidade – para folha de pagamento, por exemplo. O GT-40 era o nome do terminal gráfico que era ligado ao PDP-10. Ele ficava em uma salinha separada do centro de computação e era nessa salinha, usando o GT-40, que começamos a usar o Logo com crianças e a chamar os alunos da computação e os alunos da educação para participar dessa exploração.
A metáfora do Logo é que a criança programa o computador ensinando uma tartaruga a se deslocar na tela do terminal gráfico. Os deslocamentos para direita, esquerda, etc, formavam os principais conceitos de algoritmos de uma maneira acessível à criança, que usava do próprio corpo para entender a questão do deslocamento na tela, explorando uma geometria bastante rica por trás dessa construção. A criança aprende não apenas a programar o computador, mas também geometria, sobre o processo dela mesma no aprender ao ensinar a tartaruga (que naquela época era um triângulo) a se deslocar na tela.