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Projeto de pesquisa do IC tem como objetivo levarsistemas computacionais à população em geral

Em maio de 2006, com o apoio da Capes e da Fapesp, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC) promoveu o seminário “Grandes Desafios da Pesquisa em Computação no Brasil – 2006 – 2016”, do qual resultou relatório redigido pelos 26 participantes, entre os quais se incluía a professora Maria Cecília Calani Baranauskas, do Instituto de Computação (IC) da Unicamp. As propostas encaminhadas à SBC e previamente selecionadas foram inicialmente apresentadas no seminário de forma resumida. Depois, grupos de trabalho as consolidaram em cinco desafios. Um deles propõe o “acesso participativo e universal do cidadão brasileiro ao conhecimento”. A professora se envolveu efetivamente de forma prática no tema ao participar, por meio de edital publicado no ano passado pela Fapesp, de projeto por ela coordenado, denominado E-Cidadania, que recebeu também a adesão da Secretaria da Cidadania da Prefeitura de Campinas.

A iniciativa tem como objetivo estudar como levar os sistemas computacionais à população em geral de modo que ela consiga compartilhar informações – como troca de produtos, serviços, idéias, bens e atividades correlatas – através de uma rede social inclusiva, das quais a rede de relacionamento Orkut constitui um exemplo, entre outros existentes. Mas com a diferença de que o design dos sistemas em voga, explica a pesquisadora, não teve a preocupação de facilitar o acesso de todos os segmentos sociais. “Então, nos cabe pensar como criar essa interface de tal maneira que as pessoas olhem para o monitor e saibam o que fazer, que consigam entender e usar o sistema comunicando-se e trocando informações e oferecendo serviços. Enfim, que o utilizem para o que lhes interessa”.

É verdade que através de redes computacionais todos podem compartilhar os mais diferentes recursos – hardware, dados, software, informação visual e sonora – facilitados pela disponibilidade das redes de comunicação com banda larga, associada aos dispositivos moveis e à computação ubíqua. Entretanto, tais disponibilidades não são sinônimas de facilidade de uso e de acesso universal. Existem barreiras tecnológicas, educacionais, culturais, sociais e econômicas que impedem o acesso e a interação.

Por isso, diz Maria Cecília, o ob­je­tivo do desafio proposto é vencer essas barreiras por meio da concepção de sistemas, ferramentas, modelos, métodos, procedimentos e teorias capazes de endereçar de forma competente a questão do acesso do cidadão brasileiro ao conhecimento. Ela entende que esse acesso deve ser universal e participativo na medida em que o cidadão não é um usuário passivo que apenas recebe informações, mas também participa da geração do conhecimento.

Portanto, o problema impõe a extensão de sistemas computacionais ao cidadão comum em sua diversidade, respeitadas suas diferenças. Ela afirma que o desafio ganha novas proporções no cenário de uma população com a diversidade e os problemas da nossa, que ostenta enormes diferenças socioeconômicas, culturais, regionais e de acesso à tecnologia e ao conhecimento. Ademais, a convergência das mídias – internet, TV, telefone celular, entre outras – impõe cada vez mais a facilitação do acesso.

Essas preocupações da professora Maria Cecília remontam ao seu envolvimento nas “Interfaces Humano-Computador”, linha de pesquisa mantida no IC, de que participam outros pesquisadores, e que está relacionada ao design de interfaces de sistemas computacionais e artefatos tecnológicos em geral. A docente esclarece que existem métodos, técnicas e teorias que fazem da interação humano-computador uma disciplina em que se estudam formas de criar interfaces do usuário – para não confundir com interfaces entre softwares – que estabelece a relação entre o que o sistema apresenta no monitor e o usuário, para que este consiga usá-lo e interagir com ele. Dessa linha de pesquisa desenvolvida no IC, resultaram inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado.

Ela constata que a preocupação não é apenas acadêmica: “No mercado existe muito interesse nesse tipo de pesquisa porque os sistemas computacionais, a partir do momento que atingiram a Web, se destinam a todos, diferentemente de antigamente, quando tinham uso restrito. E nos cabe entender de forma cada vez mais ampla a relação do usuário com o sistema para desenvolvê-lo de forma a criar facilidades e agilidade”.

Segundo a docente, a preocupação com a criação de novas interfaces deve ser mais presente no Brasil, face ao contexto social, de maneira que as pessoas mais distantes da tecnologia, por razões diversas como baixo letramento, deficiências físicas, fatores socioeconômicos, entre outros, consigam acesso a ela. “A idéia é democratizar a tecnologia da informação e da comunicação. Os que não dispõem de computador em casa podem usar os dos tele-centros. A rede jovem.com mantida pela prefeitura de Campinas, por exemplo, conta com mais de 40 deles espalhados pela cidade”.

Semiótica fundamenta projeto de rede inclusiva

Maria Cecília diz que seu grupo está pesquisando como articular várias mídias na interface dessa rede social inclusiva, de tal maneira que todos possam usá-la, mesmo os que se sentem pouco à vontade com a escrita por medo de cometer erros ou apresentam limitações físicas. No projeto E-Cidadania, que teve início há um ano, o método utilizado baseia-se na Semiótica Organizacional, que propõe uma série de artefatos e mecanismos que possibilitam entender quais os signos que essas pessoas usam, seus padrões de comportamento e o que lhes faz sentido. Ela explica: “Com base na Semiótica Organizacional, fizemos oficinas participativas com membros de cooperativas e associações da Vila União, em Campinas. Durante essas oficinas conseguimos perceber, por exemplo, qual o entendimento que essas pessoas têm dessa rede social, do que têm receio, o que gostariam de fazer, que normas sociais compartilham e como usariam a rede. À medida que as oficinas se desenvolvem, vamos conseguindo desenhar um sistema, e estamos chegando a um primeiro protótipo”.

No início, os participantes são solicitados a relatarem suas experiências positivas e negativas com diferentes tecnologias – TV, aparelhos eletrônicos, rádios-relógio, aparelhos celulares – o que contribui para a coesão do grupo que, em geral, é constituído por pessoas com vivências as mais diversas. São instados a relatar, ainda, como se dão os processos de comunicação entre eles, que recursos usam, que redes sociais naturais de comunicação utilizam. A partir de atividades em grupo são extraídos elementos que os participantes vão identificar durante a utilização a que são levados a fazer do sistema. Quando da avaliação de protótipos, os usuários são submetidos a um processo de pesquisa na rede em que revelam que tipos de relações constroem com a Internet.

Os primeiros resultados mostram que há necessidade de colocar pouco texto na tela, utilizar recursos de áudio, ao mesmo tempo facilitar a vida da pessoa que é surda usando a linguagem de sinais e que basicamente há necessidade de trabalhar de forma redundante utilizando simultaneamente várias mídias, com interfaces ajustáveis às diferenças de cada um e às normas sociais do grupo.

Antecedentes
Além de envolvida na área da interface humano-computador e de ter participado do seminário que propôs o desafio de “Acesso Participativo Universal do Cidadão Brasileiro ao Conhecimento”, Maria Cecília tinha como motivação adicional o fato de ter se envolvido em outros projetos entre os quais destaca o “Todos Nós: Unicamp Acessível”, desenvolvido na Universidade e que se conclui no final deste ano. Esse projeto estuda a questão da acessibilidade e ambientes inclusivos no contexto universitário e, de certa forma, é precursor do E-Cidadania, que extrapola os limites da Universidade e tenta alcançar a população.

A idéia do projeto financiado pela Capes – que originalmente foi denominado “Acesso, Permanência e Prosseguimento nos Estudos de Pessoas com Deficiência no Ensino Superior – Ambientes Inclusivos” – é que não basta à universidade oferecer condições no vestibular para candidatos com necessidades especiais se os ingressantes não contarem com o apoio necessário durante o curso. A professora explica: “A partir daí caminhamos na direção do que precisa ser oferecido em termos de estrutura para que esses alunos encontrem um espaço universitário inclusivo em todos os sentidos: acessível no meio físico (aspectos arquitetônicos da acessibilidade), social (aspectos atitudinais e de procedimentos) e virtual (acessibilidade ao conhecimento pelo meio digital). Várias frentes foram atacadas, o que levou a uma grande adesão de professores e pesquisadores de várias unidades da Unicamp, particularmente do Instituto de Computação (IC), Faculdade de Educação (FE), Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (Cepre), Núcleo Interdisciplinar de Informática Aplicada a Educação (Nied), Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) e Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), sediados no Laboratório de Acessibilidade da Biblioteca Central Cesar Lattes (BCCL)”.

Maria Cecília explica que as relações dos alunos com a universidade se estabelecem hoje principalmente através da Web e os sistemas precisam atender a todos, incluindo os estudantes que têm necessidades especiais e utilizam tecnologias assistivas para acesso à informação. Uma sua aluna de doutorado realizou recentemente trabalho junto à Diretoria Acadêmica da Unicamp, que levou a um redesenho do seu portal, de forma inclusiva, ampliando seu acesso a pessoas com deficiências visuais.